“Existe uma história do negro sem o Brasil. O que não existe é uma história do Brasil sem o negro”. Este foi um dos principais enfoques da Oficina “Uma História Feita por Mãos Negras”, ocorrida no dia 25 de novembro, na sala de vídeo da UME Bernardo Lorena, na Vila Nova. O título já deixa evidente que se tratam de “fatos e personalidades negras da História do Brasil”. Foi apresentada por Magali Pereira, Coordenadora de Ensino Fundamental e professora da UME Dom Pedro.
A Oficina fez parte da vasta Programação do ‘Mês da Consciência Negra’, celebrada pela Prefeitura de Cubatão. Na plateia, Fabio G. Ferreira – Professor de língua portuguesa (UME João Ramalho); Edina de Araújo Nascimento Cirqueira – Professora de educação infantil (UME Geraldo Cardoso Guedes); Vanderlam da Silva Soares – Coordenador Pedagógico (UME Luiz Pieruzzi); Cinthia Santos – Professora de Ensino Fundamental (UME Marta Josete); e Jarino Junio – professor de Educação Especial Infantil (UME Pernambuco).
A preletora começa apresentando vários livros que retratam a temática da oficina, reforçando a importância de haver uma literatura vasta neste sentido disponível para os professores e até para o leitor comum. No caso dos professores que fazem parte da rede municipal de Ensino, há o compromisso da Seduc em atender o que preconiza a Lei de Diretrizes de Base (LDB) da Educação Nacional, sob a égide da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira no ensino fundamental e médio em todo o País, que busca valorizar a diversidade étnico-racial e combater o racismo. Cinco anos depois, a Lei 11.645/2008 ampliou essa obrigatoriedade, incluindo a história e cultura indígena, os chamados povos originários do Brasil.
Para contextualizar as dificuldades que o povo negro percorreu para resgatar a sua história, ela citou como exemplo lendo a letra do Samba Enredo da escola carnavalesca Estação Primeira de Mangueira de 2019, que traz como título “Histórias Pra Ninar Gente Grande”, em que a ideia da agremiação, apelidada de Verde e Rosa, foi fazer uma narrativa de diversas páginas ausentes da História do Brasil, como forma de levar o folião e a sociedade em geral a repensarem narrativas oficiais que foram ensinadas ao longo de gerações para os brasileiros.
Em seguida, citou fatos históricos com os nomes de 20 personalidades (entre tantas que existem) que de alguma forma tiveram papel central na formação política e cultural do Brasil, mas que foram invisibilizadas pela historiografia tradicional. “Mostrar pelo menos um recorte da história dessas figuras (personas) tão importantes na nossa história serve para contribuir para o fortalecimento da Educação antirracista e da promoção da equidade racial no cotidiano escolar. Além de favorecer a construção de uma memória coletiva que reconheça a centralidade da população negra na formação do nosso país”, explica Magali, ressaltando que cada vez mais se associa a imagem com a pessoa. “Então, nosso papel, enquanto educadores, é resgatar esses nomes e o que eles fizeram em épocas que era muito difícil o negro ser reconhecido por sua luta e tão pouco ter reconhecimento do seu legado. Se hoje ainda é bastante difícil, imagine no tempo de cada um deles”.
Heróis emoldurados – Entre os 20 nomes citados, os participantes foram convidados pegarem um ou dois nomes para comentar para o grupo a simbologia da escolha. Além de Zumbi dos Palmares, entre os recortes escolhidos estavam:
Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar (1939/1914) – Líder jangadeiro do Ceará que se recusou a transportar pessoas escravizadas em 1881, boicotando o tráfico negreiro local. Não à toa, o Ceará foi a primeira província a abolira escravidão, em 25 de março de 1884, 4 anos antes da então surgida Lei Áurea.
Maria Felipa de Oliveira – Nascida no final do século XVIII, é considerada heroína da Independência da Bahia e do Brasil. Em 1822, ela reuniu cerca de 40 mulheres e liderou a resistência contra os portugueses na Ilha de Itaparica, ponto estratégico crucial para a luta. A luta do seu grupo foi fundamental para a derrota da esquadra portuguesa, que tentava tomar a região do Recôncavo Baiano.
Luiz Gama (1830/1882) – Advogado, jurista, jornalista e abolicionista. Nascido livre, foi vendido ilegalmente como escravo aos 10 anos, mas conseguiu provar sua liberdade aos 17. Usando seu conhecimento jurídico, libertou mais de 500 pessoas escravizadas e é reconhecido como o “Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil”;
Maria Odília Teixeira – Em um país considerado machista e preconceituoso, foi a primeira médica negra do Brasil, em 15 de dezembro de 1909. É baiana de São Félix do Paraguaçu. Foi A primeira diplomada no século XX, sendo também a primeira mulher negra ser professora da instituição.
Chiquinha Gonzaga (1847/1935) – Pioneira musicista, o seu histórico mostra que ela foi a primeira pianista chorona (musicista de choro). É autora da mais conhecida marcha carnavalesca com letra ‘O Abre Alas’ (de 1899). Também foi a primeira mulher a reger uma orquestra popular no Brasil. Em uma época em que imperavam os tangos, polcas e as valsas no cenário musical de elite no Brasil, Chiquinha Gonzaga incorporava em suas composições a diversidade encontrada na música das classes mais baixas. Foi também pioneira na defesa dos direitos autorais de músicos e autores teatrais.
Neta de escravizados, foi uma militante abolicionista, usando o dinheiro que ganhava na música para ajudar movimentos abolicionistas e comprar alforria de escravizados. Compositora e maestrina de sucesso, numa época em que mulher não tinha profissão, ela abriu caminhos e ajudou a definir os rumos da música brasileira”. A obra de Chiquinha Gonzaga, estimada em cerca de duas mil canções e 77 partituras para peças teatrais, é maior do que qualquer compositor de seu tempo. Intimada a escolher entre a música e o marido, Chiquinha não teve dúvida e, assim, sofreu muito preconceito por desafiar antigos padrões e lutar por sua felicidade. Mesma sendo uma mulher preta, sua história foi retratada na TV sendo interpretada por atrizes brancas. Muitos até hoje não sabem que a artista era negra e que tem a sua ancestralidade ligada a um casal de negros escravizados (neta).
Antonieta de Barros (1901/1952) – Formou-se professora em 1921 e fundou seu próprio colégio, onde ministrava aulas de alfabetização para a comunidade carente. O curso funcionou por 30 anos, até sua morte em 1952. Em 1948, ela conseguiu a aprovação da lei que criou o Dia do Professor em Santa Catarina. Além de professora, era jornalista foi a primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual no Brasil em 1934, pelo estado de Santa Catarina. Sua história é marcada pela luta por educação de qualidade, pela valorização da cultura negra e pela emancipação feminina. Defensora da Educação pública, da alfabetização popular e da valorização da mulher negra, fundou o jornal ‘A Semana’, que era voltado à Cultura e à cidadania. Antonieta de Barros é tema de um dos contos do livro ‘Memória negra Brasileira’, da escritora Jarid Arraes, no qual apresenta contos de cordéis de 15 heroínas negras, sendo Antonieta uma delas.
Os professores que participaram da atividade disseram que a Oficina foi muito proveitosa e que recomendam a outros profissionais da Educação e de outras áreas a terem a interação proposta pela ação da professora preletora, que também é uma colega profissional da rede municipal de ensino. Destacaram que entender a temática apresentada ajuda-os a levar para a sala de aula o conteúdo de uma forma que contempla a da Lei 10.639.
“Essa Oficina é muito importante para esclarecer e quebrar paradigmas. Quem não conhece a fundo passa a conhecer melhor, a ter referência das pessoas negras”, comentaram. Ressaltaram também que “estamos apenas transmitindo aos alunos a cultura de um povo, seus costumes e tradições, ensinando-os de uma forma que nós, tempos atrás, na nossa formação, não tivemos ou nos foi passado de outra forma”, resumiram coletivamente os professores sobre a importância do tema e do cumprimento da Lei, que em Cubatão vem sendo aplicado normalmente na Rede de Ensino.
Para encerrar, eles citaram uma frase dita pela professora e filósofa Sueli Carneiro que resume bem a questão do combate ao preconceito racial: “Se a Educação não é antirracista, não é Educação”.
Por: Secom Cubatão/IP
Fotos: Secom Cubatão/Eliel Gonçalves
























